O direito à educação é universalmente reconhecido como um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento humano e social. No entanto, apesar dos esforços para garantir o acesso igualitário à educação, muitas vezes nos deparamos com situações onde esse direito é desrespeitado ou limitado devido a questões financeiras. Uma prática recorrente em instituições de ensino superior que levanta questões éticas e legais é a recusa em permitir o trancamento da matrícula de alunos devido a débitos pendentes.
O trancamento de matrícula é um direito do estudante garantido por diversas legislações educacionais ao redor do mundo. Ele permite que o aluno interrompa temporariamente seus estudos sem perder o vínculo com a instituição de ensino, seja por motivos de saúde, pessoais ou até mesmo financeiros. No entanto, a recusa em permitir o trancamento de matrícula com base em débitos é uma prática que viola não apenas os direitos do estudante, mas também princípios legais e éticos.
Primeiramente, é importante ressaltar que a educação é um direito humano fundamental, reconhecido por diversas convenções e declarações internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Negar o trancamento de matrícula como forma de pressionar o aluno a quitar seus débitos vai contra esse princípio, colocando em segundo plano o direito à educação em detrimento de interesses financeiros da instituição.
Além disso, em muitos países, existem leis e regulamentos que garantem o direito dos estudantes ao trancamento de matrícula. No Brasil, por exemplo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) estabelece em seu artigo 47 que "o aluno matriculado em qualquer curso, ou série da educação básica, poderá, quando se tratar de educação a distância, de educação especial, de educação de jovens e adultos ou de educação profissional, nos termos do regulamento, solicitar trancamento de matrícula, por motivo justo, mediante requerimento dirigido à instituição de ensino". Negar esse direito com base em questões financeiras configura uma clara violação da lei.
Ademais, a recusa em permitir o trancamento de matrícula pode prejudicar não apenas o aluno, mas também a própria instituição de ensino. Ao forçar um estudante a permanecer matriculado contra a sua vontade, a instituição está sujeita a enfrentar problemas de evasão, baixo desempenho acadêmico e até mesmo questões legais relacionadas à retenção indevida de alunos. Além disso, tal prática pode manchar a reputação da instituição, afetando sua credibilidade e atraindo críticas da comunidade acadêmica e da sociedade em geral.
Veja a seguir uma decisão em que foi declarada a nulidade a cláusula contratual que condiciona o trancamento de matrícula de instituição de ensino superior ao pagamento do correspondente período semestral em que requerido o trancamento, bem como à quitação das parcelas em atraso:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DOIS RECURSOS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PEDIDO DE TRANCAMENTO DE MATRÍCULA. DÉBITOS PENDENTES COM A INSTITUIÇÃO DE ENSINO. IRRELEVÂNCIA. PERÍODO SEMESTRAL DO TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA. PAGAMENTO DO VALOR DA MATRÍCULA COMO CONDIÇÃO AO TRANCAMENTO. POSSIBILIDADE. PRIMEIRO RECURSO DESPROVIDO E SEGUNDO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O adimplemento das mensalidades escolares, segundo o artigo 5º da Lei 9.870/99, é condição para a renovação da matricula, mas não para o seu trancamento. 2. É nula a cláusula contratual que condiciona o trancamento de matrícula de instituição de ensino superior ao pagamento do correspondente período semestral em que requerido o trancamento, bem como à quitação das parcelas em atraso ( REsp 1081936 / SP). 3. Mostra-se incabível que o estudante requeira o trancamento da matrícula sem que esteja efetivamente matriculado à época do requerimento, razão pela qual é exigível o pagamento do valor da matrícula como condição para requerer o seu trancamento. Vale dizer, para requerer o trancamento da matrícula é necessário que o aluno esteja matriculado. (TJ-MG - AC: 10000205505027001 MG, Relator: Otávio Portes, Data de Julgamento: 19/05/2021, Câmaras Cíveis / 16ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 21/05/2021)
Em suma, a recusa da faculdade em permitir o trancamento de matrícula devido a débitos é uma prática ilegal, antiética e prejudicial tanto para os estudantes quanto para a própria instituição de ensino. É fundamental que as autoridades competentes fiscalizem e combatam essa prática, garantindo o respeito aos direitos dos estudantes e o acesso igualitário à educação para todos.
GABRIEL ALMENDRA
Advogado Educacional – OAB/PI 18.698
O escritório ALMENDRA & MOTA é dedicado a fornecer assistência jurídica especializada em direito educacional. Com uma equipe de advogados experientes e comprometidos, buscamos oferecer soluções eficazes e personalizadas para uma variedade de questões legais relacionadas ao ambiente educacional. Nosso foco principal reside no direito educacional, com especial atenção para as complexidades do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES). Entendemos os desafios que os estudantes e instituições enfrentam ao navegar pelo sistema educacional e buscamos fornecer orientação jurídica sólida para ajudá-los a alcançar seus objetivos.